Caso menino Bernardo: o Brasil precisa ouvir as suas crianças

O júri popular decidiu: os quatro acusados do assassinato de Bernardo Boldrini são culpados e cumprirão penas que variam de 9 a 34 anos. O menino de 11 anos morava em Três Passos (RS) e foi encontrado morto no dia 4 de abril de 2014. Vídeos do acervo pessoal da família mostram Bernardo sendo maltratado pelo pai e pela madrasta que, segundo as investigações, ministraram superdosagem de sedativo ao menino.

Emblemático, o caso chocou a opinião pública e, pouco mais de dois meses depois, a lei que proíbe o uso dos castigos corporais e tratamento cruel e degradante foi sancionada e batizada com o seu nome.

A tramitação do projeto de lei (PL) 7.672/2010 no Congresso Nacional foi incentivada e acompanhada pela Rede Não Bata, Eduque. Foram cinco anos de intensas ações de incidência política com parlamentares, ministros e com a presidência da República. Nos seminários e audiências públicas, presenças marcantes: grupos de adolescentes, a porta-voz da campanha “Não Bata, Eduque”, a apresentadora Xuxa Meneghel, e até a Rainha Silvia da Suécia, país pioneiro em sancionar uma lei que invalida este tipo de violência.

A Lei Menino Bernardo (13.010/2014) foi um sopro de esperança no coração de cada membro dessa Rede. Foi aprovada na Câmara dos Deputados, no Senado Federal e entrou para a História dos direitos humanos infantojuvenis no Brasil. No entanto, como os avanços não podem parar na reforma legal, urge a fase seguinte: a efetivação da Lei.

Responsabilidade do poder público

Nesse quesito, o Brasil ainda caminha a passos lentos. O Estado brasileiro tem, por obrigação e em cumprimento a uma série de leis e convenções internacionais, a responsabilidade de estabelecer políticas públicas de prevenção ao uso da violência com o pretexto de educar e de proteção à integridade física e psicológica de crianças e adolescentes.

Campanhas de conscientização, rodas de diálogo, atividades em Centros de Referência de Assistência Social e escolas da rede pública de ensino divulgando formas alternativas à violência são alguns dos exemplos de ações que poderiam ser implantadas pelo poder público. Aliás, são atividades feitas atualmente pela Rede Não Bata, Eduque.

Ao longo dessa trajetória, temos somado esforços para explicar que palmada, gritos e xingamentos são violência, não educam, podem evoluir para maus-tratos e até terminar em tragédia, como no caso do menino Bernardo. Percebemos uma disputa de narrativas incessante: ora pessoas agredidas no passado se manifestam dizendo o quão maléfica foi a violência para suas vidas; ora outras nos dizem que é melhor apanhar em casa do que de um policial amanhã, e que também apanharam quando criança, sendo portanto “cidadãos de bem”.

Tentamos de diversas formas mostrar que não é bem assim, que esse tipo de experiência não determina o caráter de alguém e, pelo contrário, pode trazer uma série de problemas para o futuro adulto. A divulgação dos resultados de estudos e o apelo presente nos depoimentos de personalidades públicas, às vezes, não parecem suficientes para fazer as pessoas entenderem que “para quê agir com violência, se existem outras possibilidades eficazes, saudáveis e pacíficas?” 

Mas, por outro lado, temos aliados poderosos. Mamães, papais e psicólogos blogueiros, por exemplo, dão um apoio magnífico neste sentido. E nessa teia discursiva, a Lei Menino Bernardo ganha significados e divide a opinião brasileira. De pouco em pouco, vão se desconstruindo mitos e reforçando informações importantes, como a de que a lei possui um cunho preventivo e pedagógico e não penal (não há previsão de prisões ou perda de guarda). O objetivo é contribuir para o despertar de relações saudáveis e não acirrar conflitos.

Nas ações de prevenção, sempre lembramos os principais canais de denúncias, que são os Conselhos Tutelares e o Disque 100. Essa parte é uma atribuição exclusiva do Estado, que deve garantir a eficácia dos equipamentos, como a existência de um número de Conselhos Tutelares prevista em lei (um a cada 100 mil habitantes composto por cinco membros) e as condições necessárias para a atuação dos profissionais. É preciso assegurar que os procedimentos aconteçam de maneira adequada, tenham o encaminhamento devido e sejam resolvidos na forma da lei, com efetiva participação do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente.

Bernardo buscou socorro e não foi atendido. Uma lacuna grave custou a sua vida.

Com a decisão da Justiça, esperamos que a história seja um alerta para a sociedade de que nossos meninos e meninas têm direitos e precisam ser ouvidos. É urgente que a memória coletiva nunca se esqueça de como tudo começou, na forma de tapas, xingamentos, gritos…

Nenhum a menos.

 

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