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Os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente foram instituídos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) no contexto da redemocratização da sociedade brasileira, no final da década de 1980, e no espírito da nova constituição nacional (1988). Seus princípios fundadores foram a descentralização política e a participação cidadã na aplicação e no controle das políticas públicas. Os Conselhos de Direitos são órgãos colegiados (formados por um grupo de pessoas), permanentes (uma vez criados, não podem mais deixar de existir), paritários (compostos meio a meio por representantes do governo e da sociedade civil) e deliberativos (tomam decisões). Sua responsabilidade é assegurar na união, nos estados e nos municípios a prioridade para a infância e a adolescência prevista pelo ECA (artigos 88, 214 e 260).
Suas principais atribuições são: promover o diagnóstico sobre a situação da criança e do adolescente; elaborar plano de ação programas e projetos locais de atendimento; gerir o Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente e captar recursos; mobilizar a participação de órgãos públicos e da sociedade civil; acompanhar e avaliar as ações governamentais e não governamentais.
Como os Conselhos de Direitos podem atuar no enfrentamento aos castigos corporais
Para cumprir sua primeira atribuição promover o diagnóstico sobre a situação, os Conselhos de Direitos precisam reconhecer que o castigo corporal e o tratamento degradante a crianças e adolescentes foram historicamente naturalizados na cultura do país, como se fossem algo aceitável. O passo seguinte é a promoção e o apoio de campanhas educativas que ajudem a desconstruir esse comportamento. O terceiro passo é a qualificação dos atores do sistema de garantias de direitos para que coíbam e previnam toda forma de violência contra crianças e adolescentes. O desafio dessa tarefa exige a articulação e a integração das ações dos Conselhos nas esferas nacional, estadual e municipal. Essa finalidade deve ser incluída no Plano de Ação de cada Conselho, de acordo com a sua realidade local, chamando para si a cooperação do Executivo e obtendo a garantia de recursos para viabilização do Plano. Os Conselhos de Direitos devem, ainda, desenvolver estratégias de comunicação social.
A Constituição Federal e o Código Brasileiro de Telecomunicações determinam que os meios de comunicação devem estar comprometidos com a sociedade democrática de direitos e auxiliar os indivíduos na construção da cidadania coletiva. Devem, portanto, reservar parte de seu horário para campanhas de cunho social e educativo.
O Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária, aprovado em 2006, é um importante documento que visa assegurar os direitos garantidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), mas que ainda encontram dificuldades para sua efetivação. O objetivo principal desse Plano é romper com a cultura da institucionalização de crianças e adolescentes e fortalecer o paradigma da proteção integral e da preservação dos vínculos familiares e comunitários preconizados pelo ECA.
A manutenção dos vínculos familiares e comunitários fundamentais para a estruturação das crianças e adolescentes como sujeitos e cidadãos está diretamente relacionada ao investimento nas políticas públicas de atenção à família. Até chegarmos a essa mudança de olhar relativa às famílias pobres, foi necessário aprovar uma série de Leis que refletiam na democratização dos relacionamentos: a Constituição Federal, em 1988; a ratificação da Convenção sobre os Direitos da Criança em 1990; o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990; e a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), em 1993, provocando o rompimento em relação às ideias e práticas assistencialistas e institucionalizantes.
- Os Conselhos de Direitos podem ser um importante aliado na mudança cultural, de longo prazo, que precisamos promover para a erradicação dos castigos corporais e tratamento degradante contra crianças. Têm um importante papel na deliberação de políticas públicas e no estabelecimento de planos de ação com enfoque preventivo, na difusão de práticas de educação positiva e na promoção de redes intersetoriais e sociais de apoio às crianças, aos adolescentes e às famílias.
O papel dos conselhos tutelares
No Brasil, até o final dos anos 1980, o cuidado e a atenção às crianças e aos adolescentes eram regulados pelo Código de Menores (Lei nº 6.697/79). Eram considerados menores os indivíduos com menos de 18 anos de idade em situação irregular (inadequada à faixa etária ou de desatenção às necessidades básicas). Cabia ao Poder Judiciário na figura do Juiz de Menores julgar e adotar medidas que adequassem as leis vigentes a cada realidade local.
A Constituição de 1988 (artigo 227) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) mudaram completamente este panorama reconhecendo crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e prioridade absoluta.
Como já foi mencionado, o ECA estabelece em seu artigo 4º que: É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. E no artigo 87: “políticas sociais básicas; políticas assistenciais (em caráter supletivo); serviços de proteção e defesa das crianças e adolescentes vitimizados; proteção jurídico-social; políticas e programas para o efetivo exercício do direito à convivência familiar”.
Foi nesse contexto que o ECA criou, com o artigo 131, o Conselho Tutelar: O Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente.
Fruto de uma ampla mobilização da sociedade civil nos primeiros anos da redemocratização brasileira, o ECA pretendeu, com os Conselhos Tutelares, criar um órgão inovador com a missão de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente e com potencial de contribuir para mudanças profundas no atendimento à infância e à adolescência.
O art. 70 do Estatuto dispõe que: “É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou de violação dos direitos da criança e do adolescente”. Nessa perspectiva, o Conselheiro Tutelar deve interagir preventivamente durante o atendimento ao verificar situações de violência intrafamiliar.
Apesar da quantidade de situações que ocorrem durante os atendimentos, o Conselheiro deve estar atento aos comportamentos agressivos, que poderão desencadear outras violações e novos sofrimentos à criança ou ao adolescente.
A situação cria uma oportunidade pedagógica de refletir com os pais (ou cuidadores) sobre a importância do cuidado para o desenvolvimento da criança e do adolescente. Nesse sentido, o Conselheiro Tutelar é um educador social com grande potencial para promover mudança de atitudes porque interage diretamente com o público.
Para fortalecer suas ações e seus encaminhamentos, o Conselho tem o poder de requisitar serviços de saúde, educação, assistência social, previdência, trabalho e segurança. Para isso, convém que ele conte com uma equipe multidisciplinar. A garantia de direitos depende fundamentalmente da qualidade do atendimento: uma boa equipe técnica e conselheiros bem capacitados.
Geralmente, ao ser notificada, a família chega ao Conselho Tutelar com medo, entendendo que receberá a medida protetiva como uma punição. Por isso, tende a enxergar a ação do conselheiro como a de um policial.
De um lado, é certo que as medidas possivelmente resultarão em intervenções de Delegacias, Hospitais, Centro de Referências da Assistência Social, Centros de Assistência psicológica, psiquiátrica etc. Seu objetivo primeiro é o melhor interesse da criança ou do adolescente: a garantia de seus direitos.
Para auxiliar as famílias assistidas em busca de interesses comuns, é importante que o conselheiro tutelar atue como um mediador de conflitos. Muitos pais não sabem como colocar limites sem usar agressão física, gritos e xingamentos. Mediando o conflito, o conselheiro tutelar pode conduzir o diálogo de maneira pacífica, orientando os familiares sobre as possibilidades de enfrentamento das situações no cotidiano.
A notificação é um instrumento fundamental
Na maior parte das vezes, as violações de direitos de crianças e adolescentes acontecem no ambiente familiar, especialmente no caso de castigos corporais e tratamento degradante.
Como esse ambiente doméstico é privado e controlado pelos adultos, é difícil que a violação de direitos que acontece ali seja reconhecida externamente. Assim como é visto no dia a dia, se a notícia não foi veiculada, parece que o fato não ocorreu. A notificação serve justamente para preencher essa lacuna. Notificar é comunicar, noticiar, dar conhecimento de modo oficial, de acordo com a lei.
O Conselho Tutelar pode notificar a família quando recebe ou constata uma denúncia (artigo 136, inciso VII do ECA). Também pode receber notificações: Os dirigentes de estabelecimento de ensino fundamental comunicarão ao Conselho Tutelar os casos de maus-tratos envolvendo alunos (artigo 56, parágrafo I).
Além dos profissionais da educação, outros profissionais de serviços de atenção a crianças e adolescentes devem notificar os Conselhos Tutelares.
Em 1999, a Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro tornou compulsória a notificação de maus-tratos contra crianças e adolescentes (FERREIRA, 2009). O Ministério da Saúde, em 2001, tornou obrigatório o preenchimento da Ficha de Notificação Compulsória de Maus-tratos contra a Criança e o Adolescente.
Como encaminhar as notificações
As notificações podem ser encaminhadas ao Conselho Tutelar por telefone, por escrito ou por meio de visita à sede do Conselho. O dirigente escolar também pode pedir a presença de um conselheiro.
- Por telefone: a pessoa que faz a denúncia pode fornecer informações simples, de forma anônima: o nome da criança ou do adolescente, a idade aproximada, o nome do responsável pela violação de direitos e o local. Como, nesse caso, geralmente o conselheiro perde muito tempo para localizar o endereço, recomenda-se pedir um ponto de referência territorial.
- Por notificação compulsória: o profissional do hospital, da escola e de outras instituições deve preencher a notificação sempre com o nome da criança ou do adolescente, a idade aproximada e informações como certidão de nascimento, se possuir; a matrícula em instituição escolar, se houver; o tipo de violação praticada e o endereço (nome de rua, bairro, município, quadra, loteamento e ponto de referência).
- Por visita ao Conselho: o comunicante pode ir acompanhado da criança ou do adolescente e fazer um registro do que aconteceu. Então, o conselheiro toma as medidas de proteção previstas no ECA.