“Proteção Integral, Diversidade e Enfrentamento às Violências” foi o tema da X Conferência Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente do Rio de Janeiro, realizada nos dias 30 e 31 de julho.
Com a presença de cerca de 500 pessoas, o evento recebeu profissionais do Sistema de Garantia de Direitos (SGD), ativistas, crianças, adolescentes e jovens oriundos de mais de 40 municípios do estado do Rio de Janeiro.
Na mesa de abertura, a presidente do Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedca), Marcia Gatto, lembrou dos retrocessos em curso no país. “Acabamos de comemorar 29 anos de Estatuto [da Criança e do Adolescente, em 13 de julho], mas a maioria daquilo a gente não conseguiu implementar.”, afirmou.
Gatto ressalta a violência, que vitimiza sobretudo jovens. “O Brasil é o país que mais mata a sua juventude e adolescência. Não é qualquer juventude. Eles são negros, eles são pobres”, desabafou. Ela também lembra dos meninos do Degase. “Não há socioeducação possível dentro daquelas unidades. Recebemos sempre denúncias dos meninos sobre violências sofridas”, acrescentou.
Complementando a fala da presidente do Cedca, Monica Cunha, fundadora do Movimento Moleque, sugeriu que os adolescentes em ato infracional tenham fala nas conferências. “Eles têm que ter voz aqui também. As mães de filhos assassinados pelo Estado também”, afirmou. Monica é mãe de Rafael da Silva Cunha, morto em 2006 aos 20 anos, por um policial civil. Aos 15 anos, Rafael ingressou no Sistema de Medidas Socioeducativas e a mãe resolveu militar contra as violações de direitos dentro das unidades, fundando o Movimento Moleque, que reúne mães e familiares de adolescentes em ato infracional.
A mobilizadora da Rede Não Bata, Eduque, Rebeca Cassiano, 14 anos, marcou presença como delegada, representando o Comitê de Participação de Adolescentes (CPA) do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). Rebeca em sua fala questionou a quase inexistência de adolescentes em encontros que retratam os direitos infantojuvenis.”Em um evento sobre orçamento que fui, achei estranho. Só tínhamos eu e mais uma adolescente”, indagou.
Patrick Medeiros, 17 anos, também delegado, reiterou a fala de Rebeca, se dirigindo aos adolescentes. “Tem muito termo técnico. Não entendeu? Tem que perguntar! Não ficar com vergonha. A gente pode discutir tudo. Orçamento, participação, SUS [Sistema Único de Saúde], Educação”, aconselhou. Patrick comemorou o número de adolescentes na Conferência e falou sobre um sonho, comum aos outros meninos e meninas presentes: paridade de delegados adultos e adolescentes. Ao todo, foram 213 delegados na Conferência Estadual, dos quais 39 saíram eleitos para a Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Desses 39, 12 são adolescentes.
Álec Rahzel, 21 anos, falou sobre a diversidade como um tema na Conferência, do lugar de quem é trans e já foi delegado em outros eventos do gênero. “Você pode ajudar a construir propostas que não são necessariamente sobre você. O que a gente está fazendo é direitos humanos e não há problema algum. Errado é desrespeitar os outros. Eu tenho muita fé na gente. Vários trabalhos de formiguinha”, afirmou com linguagem jovem característica. Reiterando a máxima dos adolescentes participantes, completa: “E é aquilo. Não fale de mim sem mim. Faça por mim comigo”.
Também participaram das mesas de debates a defensora pública Eufrásia Maria de Souza; a secretária de Estado de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos (SEDSDH), Fabiana Bentes; Márcia Florêncio (SESDH); Sérgio Luiz Ribeiro (Cevij); Beatriz Cunha (Cdedica); Rodrigo Medina (CAO Infância); Rodrigo Ramalho (ACTERJ); Rosane Félix, da Comissão da Criança da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj); Guaraciara Lopes (Fórum Estadual DCA); Wesley Teixeira e Paloma de Lavor.
Um dos destaques da Conferência foi o grupo de crianças, no qual seis meninos e meninas, por meio de atividades lúdicas mediadas pela psicóloga da Fundação Angelica Goulart, Amanda Vilella, e pela cientista social do Centro de Criação de Imagem Popular (Cecip) Raquel Ribeiro, elaboraram e apresentaram propostas para melhorar a vida das crianças do Rio de Janeiro. A explanação pública emocionou os presentes. “Gostaria de defender crianças que são maltratadas, que apanham, que não têm comida. No bairro, gostaria que não tivesse milícia e baile funk, porque ele vai até segunda. Tenho medo dos milicianos”, propõe A., de oito anos. Deste grupo, saíram quatro delegados para a Conferência Nacional.
Outros momentos que levantaram a plateia, além das plenárias calorosas, foram as apresentações do Circo Social do movimento “Se Essa Rua Fosse Minha”, Jongo da Serrinha e Slam Laje.
Durante os dois dias, os delegados se dividiram para discutir as propostas das conferências municipais distribuídas em cinco eixos: “Garantia dos Direitos e Políticas Públicas Integradas e de Inclusão Social”; “Prevenção e Enfrentamento às Violências contra Crianças e Adolescentes”; “Orçamento e Financiamento das Políticas para Crianças e Adolescentes”; “Participação, Comunicação Social e Protagonismo de Crianças e Adolescentes”; “Espaços de Gestão e Controle Social das Políticas Públicas de Crianças e Adolescentes”.
A coordenadora da Rede Não Bata, Eduque, Marcia Oliveira, foi delegada no eixo “Prevenção e Enfrentamento às Violências contra Crianças e Adolescentes”, representando o Fórum Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente do Rio de Janeiro.
Em cada eixo, foram aprovadas cinco propostas, que serão apresentadas na Conferência Nacional. Tais propostas serão levadas por 39 delegados do estado do Rio de Janeiro, eleitos ao final do evento, sendo 12 conselheiros de direitos, seis conselheiros tutelares, quatro representantes de movimentos sociais, dois do Sistema de Justiça, 12 adolescentes e três profissionais da Rede de Atendimento.
*Fotos: Clay Bonifácio/Youca Brasil