Há uma década, a Lei Menino Bernardo (13.010/2014) era sancionada pelo governo federal, instituindo o direito de crianças e adolescentes a crescerem livres de violências físicas e psicológicas. A Rede Não Bata, Eduque foi responsável por incentivar e acompanhar sua tramitação e, atualmente, luta pela implementação de políticas públicas que efetivem a lei. Como atividade principal nesta mobilização, a Rede promove, desde 2018, a campanha 26 de Junho – Dia Nacional pela Educação sem Violência, que celebra o aniversário da lei. A data marca o início dos 16 Dias de Ativismo pelo Fim dos Castigos Físicos e Psicológicos contra Crianças e Adolescentes. Neste ano, a edição especial de 10 anos terá como tema “Prevenir violências é…”, trazendo dados e estratégias de prevenção de violências contra crianças e adolescentes.
As crianças e adolescentes são a população que mais sofre violação de direitos no Brasil, segundo dados do Disque 100 (Disque Direitos Humanos). Em 2023, o serviço registrou 228 mil denúncias de violações contra esse público. As notificações englobam violências físicas, sexuais e psicológicas. Infelizmente, 70% dos casos acontecem em casa e é praticado por um familiar ou responsável.
A pesquisa “Atitudes e percepções sobre a infância e violência contra crianças e adolescentes no Brasil”, realizada no final de 2021, pela Fundação José Egydio Setúbal, demonstra que ter vivenciado práticas violentas na infância aumenta a chance de, ao se tornar adulto, esse indivíduo concordar e adotar métodos de punição mais severos com suas crianças. De acordo com o estudo, 64% dos entrevistados afirmam que não tomariam nenhuma atitude ao presenciar uma ação de violência contra uma criança ou adolescente. Deste número, 25% dizem que não o faria por “não ter conhecimento dos motivos da violência”, 22% por acharem que “cada um toma conta da própria vida” e 17% até gostariam de intervir, mas “ficaria constrangido ou com medo”.
“Nenhum tipo de violência é capaz de educar. Os relatos e denúncias de violência entre adultos e crianças, depressão e massacres entre adolescentes mostram que ainda há muito a ser feito e é urgente desnaturalizar a violência como forma de educação. É direito de todas as infâncias e adolescências serem educadas sem castigo físico, tratamento cruel e degradante”, ressalta a coordenadora da Rede Não Bata, Eduque, Soraia Melo.
Este ano a campanha ganha um reforço com o desenvolvimento do projeto Criança e Direitos, que tem como objetivo a prevenção de violências na primeira infância, uma ação que será realizada em parceria pelo Centro de Criação de Imagem Popular (Cecip), pela Rede Não Bata, Eduque e pelo Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Rio de Janeiro (Cedeca-RJ), com o apoio da Secretaria Nacional dos Direitos de Crianças e Adolescentes do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. “Ampliar a perspectiva da prevenção nos Planos Estaduais pela Primeira Infância com o intuito de fortalecer o papel protetivo das famílias é urgente, uma vez que de 8 em cada 10 casos de violência contra crianças de até seis anos no Brasil, conforme pesquisa, é cometida por parente próximo”, comenta Marcia Oliveira, coordenadora executiva e articuladora do projeto.
Todos os anos, a Rede Não Bata, Eduque conta com o apoio de organizações e pessoas ao redor do país, que constroem junto a agenda nacional realizando atividades em seus espaços de convivência ao longo dos 16 Dias de Ativismo.
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A Lei Menino Bernardo
De caráter pedagógico e preventivo, a Lei Menino Bernardo recebeu o nome em homenagem a Bernardo Boldrini, um menino de 11 anos que foi assassinado onde morava, em Três Passos (RS). Vídeos do acervo pessoal da família mostram Bernardo sendo maltratado pelo pai e pela madrasta que, segundo as investigações, ministraram superdosagem de sedativo ao menino. O pai foi condenado a 31 anos e oito meses de prisão. O caso chocou a opinião pública e levantou o debate sobre a prevenção das violências contra crianças e adolescentes no seio familiar.
No mundo, 66 países já aprovaram leis neste sentido, que proíbem o castigo corporal e tratamento cruel e degradante. Na América Latina, incluindo o Brasil, são 11: Argentina, Bolívia, Colômbia, Costa Rica, Honduras, Nicarágua, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela.
Efetivação da lei
Um dos desafios mais urgentes do país é a criação de políticas públicas que implementem a Lei Menino Bernardo e apresentem à sociedade formas alternativas e não violentas de educar. Em 2017, o Estado brasileiro recebeu como recomendação da Organização das Nações Unidas (ONU) na Revisão Periódica Universal do Brasil o estímulo à educação positiva nos lares, escolas, abrigos e espaços de convivência infantojuvenis.
A pressão global pelo cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 também não tem poupado o Brasil. Os ODS 5.2 (“Eliminar todas as formas de violência contra todas as mulheres e meninas nas esferas públicas e privadas, incluindo o tráfico e exploração sexual e de outros tipos”) e 16.2 (“Acabar com abuso, exploração, tráfico e todas as formas de violência e tortura contra crianças”) contemplam o direito à integridade física e psicológica deste público que, infelizmente, é o mais exposto à violência no país. O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania renovou o compromisso com a Parceria Global pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes, um pacto também da ONU.
Sobre a Rede Não Bata, Eduque
É um movimento social nacional que atua desde 2006 pela prevenção do uso dos castigos físicos e humilhantes sob o pretexto de educar crianças e adolescentes. Foi responsável por encaminhar e incentivar a tramitação do projeto de lei original da Lei Menino Bernardo. A rede realiza cursos, oficinas, eventos e rodas de diálogo divulgando a educação positiva, e tem como objetivo principal mobilizar e sensibilizar a população para o tema, ainda naturalizado por grande parte da sociedade brasileira. Tem como atores centrais das atividades o grupo de adolescentes mobilizadores, que estimulam e exercem o direito de crianças e adolescentes à participação. Conta ainda com mais de 300 membros e organizações parceiras espalhadas pelo país.