Posicionamento: a ‘vara’ deve ser usada para conduzir e não punir

Ao tomarmos conhecimento das matérias publicadas na Revista Crescer e Pais e Filhos (28 de março) nas quais são abordadas as orientações dadas pela educadora Simone Quaresma, que indica aos pais o “uso da vara” para “disciplinar” crianças ficamos muito chocados e preocupados com a interpretação do modelo bíblico de disciplina sugerido.

Desde 2014, a Lei Menino Bernardo (13.010/2014) igualou o direito à integridade física e psicológica que os adultos gozam no marco legal brasileiro para as crianças e adolescentes, quando estabeleceu o direito de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou tratamento cruel e degradante. Assim como a Lei Maria da Penha dá visibilidade e busca coibir a violência doméstica vivenciada pelas mulheres a Lei Menino Bernardo tem como objetivo pôr fim à banalização e aceitação do “bater para educar” na sociedade brasileira. Busca também apoiar pais, responsáveis e educadores a estabelecerem um processo educativo e de cuidado sem o uso de violência física e psicológica.

Numa sociedade violenta como a nossa é lamentável que práticas arcaicas e interpretações equivocadas dificultem a construção de uma cultura de paz. Para se ter uma ideia, em 2017,  o número de denúncias de violência contra crianças e adolescentes no Disque Direitos Humanos (Disque 100) foram superiores a 84 mil, dentre estas 80% dos suspeitos de terem cometido a violência são parentes ou conhecidos da criança.

A Rede Não Bata, Eduque não pode se calar diante de dados tão alarmantes e se posicionar como um movimento que busca discutir com a sociedade brasileira a adoção de práticas não violentas de educação e cuidado. Portanto, convidamos lideranças religiosas a se unirem a nós na construção de uma cultura de paz e na discussão de um modelo bíblico de disciplina em que o “uso da vara” deve ser interpretado como condução e não açoite. Como aponta o Estudo Mundial da Violência contra Crianças da ONU (2006) ”toda e qualquer violência contra crianças e adolescentes pode e deve ser evitada”.

Como forma de ajudar na reflexão sobre o “modelo bíblico de disciplinar” trazemos um trecho da publicação de Alexander Cabezas Mora “La Disciplina de los niños y las niñas – una visión de derecho y protección”, no qual indica que o modelo bíblico de disciplinar “reforça a disciplina como um valor constante para o bem da criança e do adolescente. Apoia e valoriza as crianças moralmente, pessoalmente, emocionalmente e espiritualmente. Mora reforça que este é o tipo de disciplina que os cristãos são chamados a seguir e aplicar, questiona a interpretação do “uso da vara” como forma de sanção física e indica que deve ter um caráter educativo.

Leia a carta aberta da Rede Não Bata, Eduque sobre o modelo religioso de disciplina

Marcia Oliveira, 27 anos de atuação na área de defesa dos direitos humanos de criança e adolescente, sendo 10 anos na coordenação da Campanha Nacional Não Bata, Eduque, bacharel em Serviço Social com formação em “Mecanismos nacionais e internacionais de proteção com ênfase no tema de violência contra a criança” e especialização em “Velhos e novos paradigmas de infância e no direito a não sofrer castigos físicos” pela Universidad Nacional Mayor de San Marcos (UNMSM), em Lima, Peru.

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