RJ: ‘Lugar de Criança é no Orçamento Público’

“Lugar de Criança é no Orçamento Público” foi o tema do evento realizado na última segunda-feira (15), no Rio de Janeiro. Promovido pela Rede Não Bata, Eduque, Fundação Angelica Goulart, Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedeca RJ), Fórum Popular do Orçamento do Rio de Janeiro (FPO-RJ), Associação Nacional dos Centros de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Anced) e Equidad, do Peru, o encontro buscou apresentar processos, protocolos e leis relacionados ao orçamento público que se destina à área da infância e adolescência.

O advogado do Cedeca-RJ, Pedro Pereira, abriu a tarde lembrando dos 29 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), comemorados no último dia 13. 

OCA, Comentário Geral nº19 e Art.4º

As representantes do FPO-RJ, Amanda Resende e Laura Muniz, apresentaram o Orçamento Criança e Adolescente (OCA), tocando em pontos como metodologia e áreas de atuação, no caso, saúde, educação e assistência social. É importante ressaltar que o OCA é o levantamento do conjunto de ações e despesas do orçamento público voltado à proteção e desenvolvimento desta parcela da população.

Laura Muniz falou sobre as recomendações do Comitê dos Direitos da Criança da Organização das Nações Unidas (ONU) no Comentário Geral nº19, que inclui a elaboração de orçamentos para que os Estados cumpram deveres acordados internacionalmente em relação a crianças e adolescentes. Também citou o artigo 4º da Convenção sobre os Direitos da Criança, que prevê o uso de recursos para a promoção de direitos econômicos, sociais e culturais, e ressaltou a importância da participação da sociedade civil e de crianças e adolescentes no planejamento do uso de verbas.

Em relação ao Rio de Janeiro, o FPO-RJ observa um déficit de mais de R$ 3 bilhões, o que corresponde a 2% do orçamento total da prefeitura. O fato pode comprometer a destinação do dinheiro para a área da infância e adolescência, na avaliação da entidade. Laura lembra ainda que a atual gestão estabeleceu no Plano Plurianual (PPA) 10 programas específicos para atender este público.

Privação

O oficial de Monitoramento e Avaliação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Danilo Moura, reiterou a necessidade de produção de diagnóstico e avaliação de impacto da situação de meninos e meninas nos municípios. Moura apresentou o estudo “Bem-estar e privações múltiplas na infância e na adolescência no Brasil”, destacando dados como os que mostram que dois terços dos adolescentes com alguma privação são negros; os que indicam a Região Norte como a pior no Brasil, e o Rio de Janeiro como o pior estado da Região Sudeste em termos de privação, com mais de 1,5 milhão de crianças e adolescentes nestas condições. A maior privação no estado do Rio de Janeiro, segundo o relatório do Unicef, é a “Educação”, seguido de “Moradia”, “Informação”, “Saneamento”, “Água” e “Proteção”. Na Região Metropolitana, no entanto, “Moradia” passa a frente de “Educação” na lista.

“Claramente não é uma questão só de dinheiro. A forma como você usa o dinheiro, a forma como os governos implementam políticas públicas é que vai dizer. Existem déficits financeiros reais, mas existem outras questões”, enfatizou Danilo Moura.

A coordenadora da Rede Não Bata, Eduque (RNBE), Marcia Oliveira, no intervalo entre as falas de Danilo e da mobilizadora da RNBE, Rebeca Cassiano, em seguida, lembrou um fato importante, mas por vezes esquecido. Na Constituição Federal, é estabelecido pelo artigo 227 que criança é prioridade absoluta no Brasil.

Participação

“Sempre me pergunto: onde está o dinheiro que vai pra gente? Sei bem a falta que faz, como adolescente do Rio de Janeiro que mora na Zona Oeste”. Com essa frase Rebeca Cassiano, de 14 anos, marcou o encontro, sendo a única adolescente na mesa de debates. “Falar de orçamento é muito difícil, mas a gente lá no CPA pensa: ‘nós vamos falar sobre isso, porque é um direito nosso’. Simplificar a linguagem é sempre legal, para a gente entender, estar por dentro e participar”, afirmou em referência ao uso da linguagem técnica por profissionais, presente na maioria dos eventos que retratam direitos de crianças e adolescentes. Além de mobilizadora da RNBE, Rebeca é membro do Comitê de Participação de Adolescentes (CPA) do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), representando o Rio de Janeiro.

Na sequência, foi a vez do economista Rodolfo Mendoza, da Equidad, detalhar o Comentário Geral nº19, mostrando como governos locais podem aplicá-lo. “O Comentário Geral nº19 tem que ser divulgado. Todos tem que conhecê-lo, governos e sociedade civil. Nós, defensores dos direitos das crianças, temos que conhecer muito bem para reivindicar sua aplicação”, afirmou Mendoza.

Na explanação, o economista mostrou as quatro etapas do orçamento: planejamento, aprovação, execução e acompanhamento, enfatizando a necessidade da participação cidadã e de crianças e adolescentes em todas as categorias. Ao final, deixou perguntas para a reflexão da plateia e convidados:

  • Nos 30 anos da Convenção, quanto se avançou no cumprimento dos direitos de crianças e adolescentes em cada país?
  • Quanto tem se considerado o princípio do melhor interesse da criança nas políticas e orçamentos públicos? Quanto tem sido aplicado o princípio de ouvir a voz das crianças nas decisões de políticas públicas e nos orçamentos públicos?
  • Quanto tem sido aplicado o artigo 4º da Convenção sobre os Direitos da Criança?
  • Quanto vem sendo aplicado o Comentário Geral nº 19 após três anos de sua vigência?
  • Qual é o nível de cumprimento das recomendações do Comitê sobre os Direitos da Criança após a revisão periódica de cinco anos?

Depois de Mendoza, a promotora de Justiça de Tutela Coletiva da Infância e Juventude do Estado do Rio de Janeiro, Rosana Cipriano, falou dos procedimentos do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) em relação à fiscalização do cumprimento de planos e orçamentos pelo governo estadual. “O MP faz recomendação aos gestores públicos do que se deve ser  contemplado nos orçamentos públicos. Mas, muitas vezes, o que é planejado não é executado pois a verba programada acaba sendo remanejada para outras áreas. Os programas de trabalhos e ações às vezes são descontinuados, sob a alegação de falta de recursos. Em caso de descumprimento das diretrizes do Ministério Público, há possibilidade de ajuizamento de ACP para aplicação de multa e  sanções por improbidade administrativa”, explicou a promotora.

O evento foi encerrado com a fala da advogada da Equidad, Olenka Ochoa, que detalhou as etapas do orçamento em subetapas fundamentais:

  • Planejamento: 
  1. Avaliação da situação
  2. Políticas, legislação e programas ligados a questões fiscais
  3. Mobilização de recursos
  4. Elaboração de orçamento
  • Aprovação:
  1. Análise de proposta pelos legisladores
  2. Aprovação do orçamento pelo órgão legislativo
  • Execução:
  1. Transferência e gasto dos recursos disponíveis
  2. Relatórios orçamentários durante o período
  3. Execução do orçamento
  • Acompanhamento:
  1. Relatórios e avaliações de final de exercício
  2. Auditorias.

Finalmente, Ochoa enfatizou a importância da transparência nos processos que envolvem o orçamento público para evitar a corrupção, um problema histórico comum ao Brasil e Peru.

O mesmo evento foi realizado na manhã desta terça-feira (16) em Nova Iguaçu, contando com a presença de representantes do Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) e da gestão pública municipal.

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