Ela/ele nasceu

Téo e um participante do grupo de pais da Casa de Parto David Capistrano Filho. Foto: Eduardo de Oliveira/Radis Comunicação e Saúde

O nascimento vem de um momento crucial: o parto. A Casa de Parto David Capistrano Filho funciona em Realengo (RJ) e realiza partos humanizados normais e naturais desde 2004. Téo Cordeiro, 34 anos, é o responsável pelo grupo de pais do local. “O grupo surgiu a partir de uma necessidade de haver um espaço para o pai falar, se sentir mais à vontade, já que na maior parte dos grupos a frequência feminina é muito maior”, contou ele, que é pai de Miguel, 4, e Lia, 1, e diz que sua profissão é cuidar de crianças, no caso, dos filhos.

Baseadas na troca de experiências pessoais, as conversas são sigilosas e dá condições para que os participantes se identifiquem com as histórias, questionamentos e dúvidas. “O cuidado, que você não aprende em nenhum lugar, e o desafio do pai cuidador tem a ver com a falta de referência de outros cuidadores, porque geralmente os nossos pais, hoje na faixa dos 60 anos, não foram cuidadores e a referência que você tem são as mulheres”, opinou Téo, que se considera autodidata na arte de cuidar dos filhos. “Eu não sabia nada e fui aprendendo no fazer mesmo”, enfatizou.

Quase um autodidata, mas espelhado na figura paterna, João Paulo Moraes recebeu Joaquim dos braços da enfermeira logo após o parto, que foi todo

João e Joaquim: dedicação. Foto: Acervo pessoal

filmado por ele. “Camila entrou em trabalho de parto em casa, mas no caminho para acalmar, colocamos músicas que botávamos para o Joaquim escutar na barriga”, lembrou.

Falta de tempo

João, que tirou licença-paternidade de apenas três dias, foi quem deu o primeiro banho e também os seguintes até o segundo mês. Maravilhado, está atento às descobertas do filho. “A maior delícia é ouvir o chorinho dele, não tem coisa mais gostosa, cada mínimo detalhe é incrível. As maiores dificuldades são tempo para ficar em casa aproveitando mais esses momentos, e acordar de madrugada (risos)”, confessou.

Marcelo e Caio. Muito trabalho e tempo reduzido para os filhos, como acontece com grande parte dos brasileiros.

Tempo também foi um fator central na primeira relação de Marcelo Vilar, 49, com o filho Bruno, hoje com 18 anos. A obrigação com o emprego de supervisor de segurança, de certa forma, restringiu a sua participação integral. “Eu trabalhava à noite e tinha uma folga só na semana, aos domingos. Eu chegava de dia e dormia. Acordava à tardinha e ‘curtia’ ele um pouquinho, trocava fralda, essas coisas”, recordou. O mesmo aconteceu com o filho do meio Caio, 9. Mas há três anos, um câncer mudou a vida de Marcelo. Afastado do trabalho, ele pôde se envolver mais nos primeiros cuidados com a filha caçula Alice, 3. “Tive muito medo de não vê-los mais”, confessou.

A situação de Marcelo com Bruno e Caio faz parte ainda da rotina de muitos pais, já que a licença-paternidade e sua ampliação de cinco para 20 dias, estabelecida em 2016 por meio do Marco Legal da Primeira Infância, só vale para empresas cidadãs. E nem todos sabem que existe esse direito.

O Ministério da Saúde lançou, na última semana, a Campanha Nacional de Amamentação. Nesta edição pretende focar no público masculino ao orientar pais e empresas sobre a licença-paternidade estendida.

Avanços, ainda desconhecidos por muitos

A coordenadora da Área de Paternidade e Cuidado do Promundo-BR, Milena Santos, frisa que, com o Marco, agora os homens também podem estar presentes em até duas consultas de pré-natal sem prejuízo no trabalho, e em consultas médicas uma vez ao ano nos sete primeiros anos da criança. A socióloga lembra ainda a Lei do Acompanhante (11.108/2005) que “garante a presença de acompanhante à livre escolha da mãe durante o pré-parto, parto e pós-parto imediato”.

Apesar da falta de informação a respeito das políticas públicas relacionadas à área, o Brasil é um dos três únicos países do mundo a ter uma lei voltada para a saúde dos homens, com a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde dos Homens, vigente desde 2009. No documento, há uma área específica sobre Paternidade e Cuidado.

“Mesmo com o contexto conservador, temos avanços em relação à paternidade no Brasil. Na Constituição de 1988, por exemplo, quase nem foram aprovados os cinco dias de licença-paternidade. São passos lentos e pequenos, mas é importante garantirmos a implementação desses direitos para que haja transformações culturais”, explicou Milena Santos.

Na prática, Téo Cordeiro ainda não vê todos os avanços e sugere outra alternativa à licença atual. “A licença-paternidade de 20 dias atinge apenas as empresas cidadãs, que são 10% das empresas. Então, um segmento populacional de talvez 95% dos pais brasileiros não têm acesso a essa licença paternidade. Eu defendo a licença parental, em que o casal decida consensualmente sobre o tipo de arranjo que ele quer fazer no cuidado com os filhos”, opinou.

O autor do livro “O Papai é Pop”, Marcos Piangers, 37, contou para a gente como foi lidar com o nascimento da primeira filha Anita e também opinou sobre licença-paternidade e outras políticas públicas. Piangers, assim como Téo, defende novos “sinais sociais”. Como exemplo, ele sugere uma alteração no banheiro público masculino. Ouça!

 

 

Piangers e Aurora. Foto: Giselle Sauer/Divulgação

Nossas crianças começam a crescer. O desenvolvimento é uma fase instável e reserva momentos muito importantes e especiais! Na terceira reportagem da série #Paternidade, vamos abordar divisão de tarefas, igualdade de gênero e educação. Não perca!

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