Paternidade para as próximas gerações

Falar sobre paternidade implica falar sobre o homem na sociedade. Como ele se vê e como é visto.

Téo: homens em pauta. Foto: Eduardo de Oliveira/Radis Comunicação e Saúde

Téo Cordeiro, 34 anos, coordenador do grupo de pais da Casa de Parto David Capistrano Filho, em Realengo (RJ), acredita que muitos pais como ele, que cuida dos filhos por tempo integral,  tenham vergonha de se expor. “É muito mais normal que as mulheres hoje em dia recebam mais do que os homens, como é o meu caso com a mãe do meu filho. O desafio é grande para as metodologias de pesquisa conseguirem fazer com que esse pai fale sem se sentir envergonhado sobre o que faz grande parte do tempo”, explicou reconhecendo que a mudança do cenário feminino contribuiu para que os homens reflitam melhor sobre o cuidado.

Para a psicóloga da Fundação Xuxa Meneghel, Amanda Vilella, a discussão sobre o papel de pai assumido pelos homens é profunda. “Com o avanço do Estado Democrático de Direito, as mulheres e suas conquistas, há um declínio do homem provedor e do poder patriarcal. Esse homem fica um pouco desajustado nessa nova sociedade. Cabe a nós, mulheres empoderadas, e essa sociedade mais plural pensar e apoiar esse novo homem a encontrar o seu lugar”, analisou.

Da reflexão, é possível concluir, na visão dos entrevistados, que o período é de transição, de um homem que já não é mais aquele criado sob os conceitos do patriarcado, mas que carrega traços dessa herança, para um homem totalmente integrado às funções paternas.

Estado conservador

Na opinião de Téo, o fato de haver maioria masculina no Congresso Nacional dificulta o avanço desse debate. “Parte do legislativo, composto majoritariamente por homens e homens machistas, não ajuda a estimular a discussão sobre paternidade. Até porque isso significa ir direto na questão dos privilégios. É uma pauta anticorporativa, vai contra os privilégios que os homens historicamente sempre tiveram no Brasil e na América Latina”, declarou.

Fabrício Escandiuzzi, 41, lembra a necessidade de focar nas políticas públicas e na comunicação para desconstruir velhos hábitos e pensamentos. “Temos que mudar esse conceito, começando pelas propagandas, postura da mídia e do Estado. Muitas vezes me olham como um alienígena quando estou com minha filha sozinho. Quantas vezes não escutei: ‘Mas cadê a mãe dela?’, desabafou.

Atuante na abordagem masculina, com estudos sobre homem e paternidade, o Promundo-BR desenvolve metodologias, promove sensibilizações sobre o tema e coordena projetos em parceria com outras organizações. O Programa P: Manual para o Exercício da Paternidade e do Cuidado é um exemplo dessa produção, voltado a profissionais da saúde, da educação e trabalhadores(as) comunitários(as).

Um público em potencial para uso do Manual é o grupo da Casa de Parto onde Téo Cordeiro trabalha. Para ele a militância da paternidade é complexa, porque “é algo que não é palpável e é do campo do privado”, o que exige uma troca horizontal e não impositiva para que se crie um espelhamento, uma referência. “Acho que (a troca) é uma contribuição que pode estimular outros pais a quererem vivenciar essa experiência”, afirmou, complementando que considera “perigosa” a ideia ou, para usar o termo dito pelo próprio, a “moda” de paternidade que a mídia tem reproduzido. “O pai cuidador não está fazendo mais do que sua obrigação dividir os cuidados integralmente com a mãe dos seus filhos. Às vezes a gente cai um pouco nessa coisa do paizão, do pai que cuida diferente, que não contribui muito para a discussão”, concluiu.

Em evidência nas livrarias, na TV, nas revistas e principalmente na Internet, Marcos Piangers, 37, considera positivo o uso de uma

Piangers: influenciador de opinião nos meios de comunicação. Foto: Divulgação

linguagem mais informal por meio de diferentes mídias. “Eu acho que é importante para que os pais se identifiquem e que descubram uma via que muitos homens não sabem que existe, que é uma via, uma possibilidade de criar os filhos de uma maneira mais próxima”, disse.

Ouça a opinião dele:

 

Trabalho de formiguinha

Ao explorar a Internet e suas ferramentas no portal 4Daddy e no blog O Diário do Papai, Leandro Ziotto, 32, e Fabrício Escandiuzzi, respectivamente, esperam informar e inspirar ainda mais os envolvidos nessa bela experiência. “A principal mudança creio que irá ocorrer não nessa, mas na próxima geração. Tal como aconteceu comigo: meu pai sempre esteve presente e tratando sua presença e participação como algo natural e não uma aberração. O que aconteceu? Fiz o mesmo com Luísa”, opinou Fabrício, que também milita em outra frente: a da adoção. “São dois pontos extremamente delicados e importantes em nossa sociedade. É um trabalho de formiguinha, uma conversa aqui, outra ali. Mas estamos conseguindo reunir alguns grupos, trocar idéias e informações e buscando apresentar projetos interessantes”, relatou.

Para Leandro, a mobilização não deve se restringir à figura paterna.  “Estamos mudando pouco a pouco. Temos que combater estereótipos conservadores. E acredito que quando falamos de paternidade, não estamos falando apenas do pai, mas sim da família”, opinou.

A socióloga e coordenadora da Área de Paternidade e Cuidado do Promundo-BR, Milena Santos, festeja a expansão do tema nas redes sociais. “Se os homens estão se reunindo, produzindo conteúdo, questionando as normas sociais que os afastam de serem cuidadores e lidando com dilemas a respeito disso, que ótimo para eles, seus filhos e filhas, suas companheiras e companheiros, para a sociedade. É muito interessante pensarmos que eles estão lá se mostrando e arriscando serem novas pessoas, cultivando novos hábitos e, acima de tudo, aprendendo como fazê-los durante o processo”, comemorou.

O Dia dos Pais já passou. O mês da valorização da Paternidade é agosto, que também acaba. A Rede Não Bata, Eduque reforça que cuidado, diálogo e afeto são o tripé de uma relação construída diária e constantemente. Apesar de trabalhosa em alguns momentos, não deve ser tratada com o rigor do dever. Tem que vir de dentro, com sinceridade, do coração. Assim encerramos a série #Paternidade, deixando em apenas uma palavra para cada entrevistado (escolhidas por eles) o significado dessa doce e desafiadora missão:

Fabrício: “entrega”. Foto: Acervo pessoal
Leandro: “afeto”. Foto: Acervo pessoal
João Paulo: “babão”. Foto: Acervo pessoal
Marcelo: “continuidade”.
Téo: “abdicar”. Foto: Eduardo de Oliveira/Radis Comunicação e Saúde
Piangers: “presença”. Foto: Giselle Sauer/Divulgação

 

Marcos Piangers finaliza a entrevista explicando a escolha da palavra no áudio a seguir:

 

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